08 setembro 2012

OS MUÇULMANOS DO BRASIL - MUSLIMS IN BRAZIL


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Os novos muçulmanos não são numerosos, mas sua presença é forte e cada vez mais constante. Nos eventos culturais ou políticos dos guetos há sempre algumas takiahs cobrindo a cabeça dos filhos do islã, cheios de atitude. Há brancos, mas a maioria é negra.

Em São Paulo estima-se em centenas o número de brasileiros convertidos nas periferias nos últimos anos. No país, chegariam aos milhares. O número total de muçulmanos no Brasil é confuso. Pelas entidades islâmicas, o número chega a 3 milhões.

Três fatores são fundamentais para entender o fenômeno: o cruzamento de ícones do islamismo com personalidades da história do movimento negro, o acesso às informações garantido pela internet e a melhoria na estrutura das entidades brasileiras.

Os filhos dos árabes que chegaram ao Brasil no pós-guerra reuniram mais condições e conhecimento, e isso permitiu nos últimos anos o aumento do proselitismo e uma aproximação maior com a cultura brasileira.

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A presença do islã na mídia desde a derrubada das torres gêmeas, reforçada pela invasão americana do Afeganistão e do Iraque, teria causado um duplo efeito. Por um lado, fortalecer a identidade muçulmana de descendentes de árabes afastados da religião, ao se sentirem perseguidos e difamados.

Por outro, atrair brasileiros sem ligações com o islamismo, mas com forte sentimento de marginalidade. As conversões ao islamismo aumentaram recentemente entre os cidadãos não-árabes.

Os jovens convertidos trazem ao islã a atitude do hip-hop e uma formação política forjada no movimento negro.

Ao prostrar-se diante de Alá, acreditam voltar para casa depois de um longo exílio, pois as raízes do islã negro estão fincadas no Brasil escravocrata, e para aflorar no Brasil contemporâneo percorreram um caminho intrincado.

O novo islã negro foi influenciado pela luta dos direitos civis dos afro-americanos nos anos 60 e, curiosamente, por Hollywood.

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Para contar essa história é preciso voltar a 1835, em Salvador na Bahia, onde a revolta dos malês liderada por negros muçulmanos, foi a rebelião de escravos urbanos mais importante da história do país.

Pouco citada nos livros escolares, depois de um largo hiato ela chegou às periferias pela rima do rap. É esse o islã que chega para os mais novos convertidos, e com maior força em São Paulo, porque a capital paulista foi o berço do hip-hop no Brasil, movimento histórico de afirmação de identidade da juventude negra e pobre. 

A rebelião dos escravos malês tendia a implantar um califado como regime de governo. O movimento rebelde acabara traído gerando o destroçamento dos revoltosos, surpreendidos pelas forças policiais do império em um sobrado na Ladeira da Praça, e com outros grupos provenientes do Corredor da Vitória, foram dizimados no confronto com forças policiais na área de Água de Meninos.

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O fenômeno do negro muçulmano é um dos fatos mais curiosos da história social brasileira. Trazidos a partir dos séculos XVIII e XIX, os negros oriundos do Sudão central, atual Tunísia, compuseram significativo coeficiente no conjunto dos escravos no período regencial.

Eles eram altos, robustos e usavam um pequeno cavanhaque, mantinham vida regular e austera, e evitavam misturar-se com os demais escravos.

Denominados de malês, os muçulmanos também eram conhecidos por mucuim, muxurimim, muçulimi, muçurumi.

Usavam amuletos com versículos do Alcorão, escritos em árabe. Possuíam conselheiros ou juízes chamados de Alufás, a quem ouviam e respeitavam.

A tentacular periferia paulista é a "senzala moderna", e cada novo convertido acredita ter dentro de si um pouco de malê. Enquanto o islamismo soou como religião étnica, trazida ao Brasil pelos imigrantes árabes a partir da segunda metade do século XIX, não houve identificação.

Mas quando o movimento negro, e depois o rap, difundiu a revolta dos malês como uma inflexão de altivez numa história marcada pela submissão, a religião passou a ser vista como raiz a ser resgatada.

Os jovens muçulmanos dizem que não se convertem, mas se "revertem", ou voltam a ser. Para eles, a palavra tem duplo significado, recuperar uma identidade sequestrada pela escravidão e pertencer a uma tradição da qual é possível ter orgulho.

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A revolta dos malês, muçulmanos na língua iorubá, inspira os novos muçulmanos do gueto. Muitos sonham com um estado islâmico no Brasil, ainda que seja um estado dentro do Estado.

Esses jovens não querem tataravós como Pai Tomás, o escravo humilde do romance de Harriet Beecher Stowe, um marco na abolição da escravatura nos Estados Unidos. Preferem um antepassado como Ahuna, homem-chave na rebelião dos malês.

Sensíveis aos ecos da América negra eles não desejam ser como o pacifista Martin Luther King, mas sim o controvertido e belicoso muçulmano Malcolm X, cuja trajetória de desamparo, violência, prisão e finalmente superação é semelhante à deles. Os muçulmanos compartilham a certeza de que quanto mais difamam o islã mais ele se fortalece. 

A Mesquita Bilal Al Habashi no Edifício Esther, instalada no apartamento que foi do pintor Di Cavalcanti, acolhe imigrantes da África e brasileiros de origem africana para as cinco orações do dia. Inaugurada em 2005 a mesquita tem um nome simbólico.

Bilal foi um escravo abissínio torturado pelo seu patrão para renunciar à religião. Resistiu e tornou-se o primeiro muezim do islã, o encarregado de chamar os fiéis para as orações.

Bilal era também o nome de um dos líderes da revolta dos malês. Agora, é um símbolo de resistência tanto para os africanos no Brasil como para os brasileiros com raízes na África.


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