A unificação da música litúrgica concebida por São Gregório tornou-se conhecida como Canto Gregoriano, e o sistema musical do Canto Gregoriano baseia-se no sistema chamado modal. A música modal já era feita na Grécia antiga, onde cada modo representava um estado de espírito, no que era conhecido como ethos dos modos.
Na perspectiva musical, a doutrina do ethos expressa a ordenação, diferenciação e o equilíbrio dos componentes rítmicos, melódicos e poéticos. A sincronicidade de todos esses elementos constituía um fator determinante na influência da música sobre o caráter humano.
O canto gregoriano não é um gênero musical no sentido estrito do termo. Ele nasceu como companheiro inseparável da oração, com a finalidade de louvar a Deus e propagar as verdades da Fé. O texto dos seus hinos, salmos e antífonas é muitas vezes tirado da Sagrada Escritura. Daí que tenha sido freqüentemente chamado de "Bíblia cantada".
A íntima união que deve haver entre música e letra já havia sido vivamente sublinhada pelo grande Santo Agostinho, há mais de um século antes do reinado de São Gregório. Ao comentar os cânticos "executados com voz límpida e com modulações apropriadas", o Bispo de Hipona assim descreve seus próprios sentimentos:
"As nossas almas se elevam na chama da piedade, com um ardor e uma devoção maiores, por efeito daquelas santas palavras, quando elas são acompanhadas pelo canto. E todos os diversos sentimentos do nosso espírito acham no canto uma modulação própria que os desperta, por força de não sei que relação oculta e íntima".
Já no século XX, o Papa São Pio X completa e precisa esta ideia ao ensinar: "A música sacra, como parte integrante da Liturgia solene, participa do seu fim geral, que é a glória de Deus e a santificação dos fiéis. A música concorre para aumentar o decoro e esplendor das sagradas cerimônias, e como o seu ofício principal é revestir de adequadas melodias o texto litúrgico proposto à consideração dos fiéis, o seu fim próprio é acrescentar mais eficácia ao mesmo texto, para que por tal meio se excitem mais facilmente os fiéis à piedade e se preparem melhor para receber os frutos da graça, próprios da celebração dos sagrados mistérios".
A essência da reforma de São Pio X está contida no "Motu Proprio Tra le sollecitudini", qualificado pelo Papa João Paulo II de "verdadeiro código jurídico da música sagrada". Nesse documento, do início do século XX, o Papa define as principais qualidades que devem existir em uma composição musical para que ela possa ser considerada sacra: "Deve possuir, em grau eminente, as qualidades próprias da Liturgia, nomeadamente a santidade e a delicadeza das formas, das quais resulta espontaneamente outra característica, a universalidade".
Essas qualidades, conclui São Pio X, são encontradas no gregoriano em grau altíssimo, e por esse motivo é considerado o canto próprio da Igreja Católica. O Papa chega a estabelecer este princípio: "Uma composição religiosa será tanto mais sacra e litúrgica, quanto mais se aproximar, no andamento, inspiração e sabor, da melodia gregoriana, e será tanto menos digna do templo quanto mais se afastar daquele modelo supremo".
Eis o motivo do canto gregoriano, apesar de sua antiga origem, conservar tanta vitalidade. Eis também a razão de ser procurado, ouvido e admirado na sua singeleza por um incalculável número de pessoas, muitas das quais não são Cristãs praticantes. A verdadeira música sacra traz em si o perfume do sobrenatural, ajudando a saciar a sede constante do sublime e do eterno.
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