Em um breve período de menos de quinze anos aconteceram enormes mudanças no Cristianismo. O reino que antes não era "deste mundo" agora estava muito vinculado a um reino que de fato era deste mundo.
Como, em tão curto período de tempo, pôde se dar semelhante mudança de valores? Porque os líderes da Igreja não disseram nada a respeito? A razão é que os líderes tinham convencido a si mesmos que Deus estava mudando todas as regras.
Todas aquelas coisas que as Escrituras diziam a respeito da não-resistência, de amar os inimigos e de não fazer parte do mundo, se aplicavam a uma época diferente e a um paradigma diferente. Afinal de contas, a maioria dos Cristãos achava que Deus realmente estava abençoando a Igreja através de Constantino. Dava a impressão de que Deus era quem propiciava estas mudanças.
Os primeiros Cristãos tinham orado pelo fim da perseguição, e tudo isto parecia ser uma resposta às suas orações. Mas será que tudo isto era uma bênção de Deus ou era uma prova de Fé que Deus estava permitindo trazer para a Igreja? Como podiam saber os Cristãos do século IV?
Havia uma maneira bastante fácil pela qual a Igreja do século IV podia saber. Bastava continuar fazendo as coisas à maneira do Reino de Deus! Simplesmente não deviam se desviar, nem no menor ensinamento, de Cristo.
Como dito em Hebreus: "Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e eternamente". Assim, até que Ele volte, não haverá nenhuma mudança na forma de dirigir o Seu Reino, como também não haverá nenhuma mudança em Suas leis.
Se Constantino tivesse sido enviado por Deus como uma "bênção", a Igreja não teria necessitado fazer nenhuma concessão, muito menos teria tido que atenuar sua mensagem. Os Cristãos apenas deviam ter permanecido fiéis ao Reino de Deus e logo teriam visto se este imperador era uma bênção ou não.
Após o Concílio de Niceia, a Igreja primitiva considerou que a essência do Cristianismo seria a teologia. A Igreja primitiva acreditou que as pessoas podiam ser Cristãs simplesmente ao darem a aprovação mental a uma lista de doutrinas, sem uma mudança radical em suas vidas. E mais ainda! A Igreja primitiva já não estava satisfeita com a teologia elementar do Evangelho de Deus.
Ao contrário, agora estava se concentrando em pontos minuciosos da teologia que o Cristão comum provavelmente não chegaria a compreender. Desta maneira foi como Niceia deu origem a um tipo de Cristão totalmente novo: o teólogo ou pai da Igreja primitiva. E desde o aparecimento destes teólogos a Igreja não teve um único ano de paz, livre das polêmicas teológicas.
O bispo do século IV, Hilário de Poitiers, afirmou: "A semelhança parcial ou total do Pai e do Filho é um tema de discussão para estes tempos convulsos. A cada ano, ou, cada mês; inventamos novos credos para descrever mistérios invisíveis".
"Arrependemo-nos do que fizemos, defendemos os que se arrependem e anatematizamos aqueles a quem defendemos. Condenamos a doutrina dos outros em nós mesmos, ou a nossa própria na dos outros. E, rasgando-nos uns aos outros, de forma recíproca, temos sido a causa da ruína de todos".
O século IV foi testemunha de vários concílios da Igreja e as discussões entre os teólogos tornaram-se cada vez mais viciosas. Estes teólogos, sem exceção, não atribuíam a si mesmos outra coisa a não ser virtudes e motivos puros, mas não imputavam a seus adversários nada a não ser maldades e motivos ocultos.
Ninguém estava disposto a achar que os erros defendidos por seus adversários poderiam ser inocentes ou que sua Fé fosse ao menos sincera!
Ninguém era capaz de aproximar-se de seu irmão com amor numa tentativa de ajudá-lo a ver a verdade. Ao contrário, os teólogos só procuravam refutar e condenar seus adversários.
Não é de estranhar que um historiador secular romano desse tempo, Amiano Marcelino, dissesse que a inimizade que os Cristãos sentiam uns pelos outros ultrapassava a fúria das bestas selvagens contra os homens.
Um século após Niceia a Igreja já achava que o simples fato de estudar a Bíblia não era suficiente para dar a alguém um entendimento correto da Fé.
Assim, tornara-se necessário estudar os escritos destes novos "pais da Igreja" e seus decretos dos vários concílios. Só pelo fato de um homem ser devoto e bem familiarizado com as Escrituras não significava que estivesse capacitado para pregar na Igreja.
O que importava não era o conhecimento da pessoa sobre o que as Escrituras diziam, mas sim, o seu conhecimento do que a Igreja dizia!
Uma vez que o veneno deste "novo cristianismo" fez seu efeito até no mais profundo da Igreja, esta declarou que ninguém, não importava o quanto fosse piedoso, poderia pregar o Evangelho; seja dentro ou fora de uma Igreja, sem a autorização oficial da mesma: pregar sem uma licença tornou-se um delito punido com prisão e até com a morte.
Esta nova lei não foi necessariamente criada porque a Igreja queria deliberadamente manter o povo nas trevas. Segundo ela, os pregadores sem licença poderiam acabar entendendo as Escrituras erroneamente e, desse modo, enganar o povo fazendo com que perdessem a vida eterna.
Mas novamente a Igreja estava fazendo uso dos meios humanos para resolver os problemas em vez de confiar nos métodos de Deus.
Em seu entusiasmo de adotar definições extrabíblicas e uma teologia complexa, a Igreja terminou convertendo a Bíblia num livro perigoso. A Igreja opinava que os Cristãos que lessem a Bíblia por conta própria não poderiam chegar à doutrina "verdadeira", pois tais Cristãos quase sempre cairiam em heresias.
Os primeiros Cristãos já não podiam "escutar" tudo aquilo que o próprio Jesus Cristo disse com palavras claras. Em vez disso, tinham que acreditar no que a Igreja lhes dizia. Com o tempo, a Igreja chegou ao ponto de achar que uma pessoa poderia acabar perdendo sua alma por ler e crer nas Escrituras.
Em consequência disto, em 1229, o sínodo de Toulouse aprovou uma lei canônica: "Não é permitido aos leigos possuir os livros do Antigo e do Novo Testamento, mas somente o Saltério, o Breviário ou o Pequeno Ofício da Virgem Bendita. E estes livros não devem estar na língua vernácula".
Assim, a Bíblia foi convertida num livro perigoso. De algum modo, as palavras de Jesus e dos apóstolos já não eram seguras para as pessoas incultas lerem.
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