Acabo de completar 71 anos de idade, mas a minha aparência é de alguém 30 anos mais velho. Talvez eu seja a pessoa mais idosa do que restou da humanidade, uma vez que a expectativa de vida atual é de 25 anos. Os jovens de 15 anos já apresentam a pele ressecada e enrugada. Sofro de sérios problemas renais porque bebo pouca água e creio que estou morrendo. Quando eu era criança tudo era diferente, com muitas árvores nos parques e bonitos jardins nas casas. Ah! Eu podia desfrutar de um banho de chuveiro durante uma hora.
Agora usamos toalhas umedecidas em óleo mineral para limpar o corpo. No passado as mulheres mostravam suas formosas cabeleiras, mas nestes dias devemos raspar a cabeça para evitar as infestações e pragas. Meu pai lavava o carro com água que saía da mangueira, e hoje os meninos não acreditam que a água era utilizada daquela forma. A roupa é descartável, feita com plástico barato, o que aumenta enormemente a quantidade de lixo poluente. Tivemos que voltar a usar fossas sépticas porque as redes de esgotos não operam mais sem água.
A aparência da população é deprimente, com seus corpos desfalecidos, sujos e enrugados pela desidratação. As pessoas são cobertas de chagas devido à superexposição às radiações solares, porque a camada de ozônio que protegia a Terra não mais existe. Intermináveis regiões desertificadas constituem a única paisagem visível por todos os lugares. As infecções gastrointestinais e do trato urinário, somadas ao câncer de pele, são as principais causas da morte. O DNA da população foi alterado pelos alimentos transgênicos e as vacinações do passado, e como consequência há muitas pessoas sofrendo mutações e deformações.
A Terceira Guerra Mundial foi determinante na ruína da humanidade devido ao uso, ainda que restrito, de armas atômicas durante os primeiros confrontos. Lembro de um cenário aterrador depois de um ataque atômico que não consigo apagar da mente. Nos primeiros minutos depois da explosão do artefato, as vítimas mantinham seus olhares fixos com expressões distantes, parecendo anestesiadas ou sofrendo de catalepsia pós-traumática. Elas só ficavam lá, e podia-se observar que a maioria mantinha seus braços para fora em um ângulo acentuado.
As vítimas sobreviventes mantinham os braços estendidos porque era muito doloroso permitir-se apoiar os braços na lateral do corpo, já que quualquer contato desencadeava uma dor excruciante. Então meus olhos foram atraídos para as suas mãos, e pensei que a minha mente estava pregando peças. Mas não estava! Os dedos destas vítimas começaram a assemelhar-se a estalactites, parecendo escorrer em direção ao chão, e não demorou muito até que os gritos, ou uivos, começarem sem cessar.
Gritos e gemidos de millhares de vítimas de uma só vez, que continuavam de pé em meio ao mar de concreto e vidro destruídos, um deserto pontuado por restos de edifícios, paredes órfãs e escadas que não conduziam a lugar nenhum. Agora estou conseguindo recuperar da memória a cena dantesca, e tenho a lembrança de ter visto as vítimas com os braços tão severamente queimados que toda a pele dos membros estava pendurada abaixo das suas mãos, como se estivesse derretendo!
A economia há muito entrou em colapso e as indústrias estão paralisadas. O desemprego é total, pois as estações dessalinizadoras são a principal fonte de trabalho, mas pagam os funcionários com água salina em vez de dinheiro. Os assassinatos pela água são comuns, e tornaram-se conhecidos como: 'O conflito pela água'. A comida é sintética e produzida a partir da mistura do xisto betuminoso com algas marinhas. Os cientistas até procuraram alternativas viáveis, mas desde que praticamente toda a flora e fauna estão extintas, nada propuseram.
O ar que respiramos também está degradado e poluído devido à inexistência de árvores ou vegetação. A contaminação e a ausência de vida nos oceanos, somada à perda constante do oxigênio molecular para o espaço, além da desnutrição humana, desencadearam um incrível decréscimo do coeficiente intelectual da população. O governo único cobra pelo ar que respiramos, e quem não pode pagar é expulso das zonas ventiladas, onde o ar é fornecido por insufladores mecânicos movidos a energia solar. Não é um ar de qualidade, mas consegue-se sobreviver ao invés de sufocar nos povoados comunitários.
Em alguns lugares restaram resquícios de vegetação arraigadas em antigos leitos dos rios perenes. Estes são fortemente vigiados pelas forças de repressão, porque a água é um bem mais cobiçado do que ouro ou pedras preciosas. O sistema de governo é o anarquismo socialista que emprega o modelo da coletivização. Não há mais vegetação porque nunca chove, e quando registra-se alguma precipitação ela é composta por chuva ácida e poluída. As estações do ano foram severamente alteradas pelos vazamentos das usinas nucleares e as indústrias poluidoras do século XX.
Recordo-me que pediam para cuidarmos da água como um bem precioso, mas ninguém se importou, pois pensávamos que a água jamais acabaria. Estávamos totalmente absortos nas nossas vidas fúteis! Atualmente, todos os rios, barragens, lagoas e mantos aquíferos estão irreversivelmente contaminados ou esgotados. Lembro-me que no passado a ingestão de água para manter-se saudável era de 2 litros/dia, hoje só disponho de 200ml. Advertiram-nos que cuidássemos do meio ambiente para as gerações futuras, mas ninguém deu a mínima atenção!
Quando minha filha Beyla pede que eu descreva o passado, tento visualizar com lágrimas nos olhos, como eram belos os bosques. Descrevo para ela a chuva, as flores, e como era agradável tomar banho ou pescar nos rios e barragens. Recordo como bebíamos toda a água que pudéssemos, e como éramos saudáveis e felizes. Mas ela ainda me questiona: 'Papai, porque a água acabou'? Então sinto um nó na garganta, pois não posso deixar de me sentir culpado, já que pertenço à geração que destruiu o meio ambiente ou que simplesmente não levou em conta tantos avisos e sinais!
Se fosse possível minha filha deixar uma descendência, meu neto pagaria um preço muito alto por tudo que fizemos de mal na Terra; mas agora é tarde demais até para ela! Por causa da omissão e egoísmo em relação às gerações futuras a vida neste planeta não será mais possível, porque a destruição do meio ambiente chegou a um ponto irreversível. Como gostaria de voltar atrás e fazer com que a humanidade compreendesse toda a tragédia que significará a extinção do ser humano no futuro.
Lamento porque nada fizemos para salvar nosso querido planeta Terra, e creio que não passarei deste dia pois chegou a hora do adeus final. Peço a Deus que nos desculpe por termos destruído Sua Criação maior!
Planeta Terra, 25 de dezembro de 2073, Anno Domini
3 comentários:
Muito bom!
Chorei ao ler o relato do viajante do futuro.
Comovente e direto!
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